sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ver o que não está ali, mas existe é perceber o que está, mas não vejo.

Repensando o olhar sobre a educação, condicionado pelo paradigma dominante que tende a classificar, rotular e qualificar tudo que é possível, e muitas vezes também o que não é, percebo que há muitas práticas cotidianas que produzem linhas imaginárias e recortes de comunicação nas salas de aula, corredores, pátios, banheiros e demais espaços das escolas que as qualificações e rotulações não dão conta de incluir em suas tabelas e medições.

Como Larrosa, a partir do contato com leituras e idéias ligadas ao que Boaventura chama de paradigma emergente, percebi que minha formação inicial e muito do que vejo acontecer nas escolas estava carregado de preceitos do discurso hegemônico do paradigma da modernidade. Pude comprovar que esses discursos produziram em mim um sentido de realidade que me impedia de ver o que ali estava ou perceber que o que via não estava.

Meu olhar “especializado” em identificar características que me permitissem “prever” quais alunos teriam dificuldades estava sempre alerta para quaisquer sinais do que me havia sido ensinado como inapropriado ou diferente. Relembrando o início de minha carreira docente sinto vergonha da arrogância que fazia parte do que acreditava ser a “postura ideal” de uma professora.

Os rótulos me permitiam sentir certo “controle da realidade”, como se nada me pudesse escapar, exceto que a experiência real o fazia. Minhas expectativas em relação a cada aluno eram revestidas de tanta certeza que poderiam ser consideradas quase que palpáveis e a partir delas minhas atitudes “produziam” sentidos de realidade que confirmassem, pelo menos para mim, as profecias que fizera.

Por volta do meu terceiro ano de magistério, porém tive uma surpresa que me fez rever minhas crenças. Ao trocar de turma com outra professora não comentei nada sobre os alunos e seu aproveitamento imediatamente, só tendo a oportunidade de conversar com ela sobre meus “ex-alunos” pouco mais de um mês depois. Para minha grande surpresa, uma aluna que era considerada por mim como mediana e “necessitava” sempre grande assistência era considerada por ela como uma dentre os melhores alunos que já tivera. Ela a descrevia como desenvolta e confiante e eu não conseguia acreditar que estávamos falando sobre a mesma pessoa. Um semestre depois voltei a lecionar para aquela turma e pude ver essa aluna pelos olhos de minha colega. Pela primeira vez percebi que ela tinha sido o meu “ponto cego” por muito tempo, mas como não sabia que o tinha, não o buscava.

Os textos lidos me fizeram relembrar essa experiência e a consciência  que ela me proporcionou:  de que possuo um (ou muitos) ponto(s) cego(s) e, sabendo disso, que devo tomar cuidado ao julgar o que “vejo”.

PARA LER E PENSAR:
VON FOESTER, Heinz. Visão e Conhecimento: disfunções de segunda ordem. In: SCHINITMAN, Dora Fried (Org.). Novos Paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
GARCIA, Regina L. Da fronteira se pode alcançar um ângulo de visão muito mais amplo... Embora nunca se veja tudo. In: CANDAU, V. (Org.) Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa.

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